domingo, 3 de julho de 2011

Entrevista com Gilberto Messias - presidente do Redondense Futebol Clube


Foi eleito dirigente do ano a nível do desporto distrital. Estava à espera deste prémio?
Não estava à espera, digo-o com toda a sinceridade.

Mesmo depois de uma época em que o Redondense ganhou o Distrital, a Taça e várias provas nos escalões de formação?
Fizemos uma boa época mas há “dinossauros” no distrito … às vezes quem ganha os campeonatos não ganha os prémios do desporto distrital. O ano passado, por exemplo, ficámos em terceiro e o Paulo Sousa ganhou o prémio de melhor treinador.

Então a que é que atribui este prémio?
Atribuo-o ao nosso trabalho, foi um ano muito intenso. Somos uma equipa pequena com poucas ajudas, apenas a da Câmara e da Junta de Freguesia, enquanto em cidades como Évora e Montemor há um mercado muito maior, com muitas outras possibilidades de apoio.

Ou seja, um orçamento menor obriga a uma maior entrega por parte dos dirigentes?
É isso. Somos das equipas com menos patrocínio, ganhámos o que ganhámos durante a época e demos um “salto” financeiro de 19 mil euros. Tinha herdado uma dívida um pouco complicada, pagámos uma parte dessa dívida … não foi fácil. Arrisco-me mesmo a dizer que fomos o único clube do distrito que deu lucro.

Conjugar resultados desportivos e financeiros é atípico?
É, é … uma coisa é certa, tive a sorte de reunir uma grande equipa neste clube, formada por pessoas dedicadas. Este resultado é um pouco de todos nós. Quanto aos grandes patrocínios, todo o dinheiro que entrou no Redondense foi trazido por nós, pessoalmente ou através das pessoas que trabalham connosco na empresa Messias & Irmãos.

O orçamento do Redondense nem sequer era dos mais elevados do distrital?
Não. Posso dizer-lhe que ainda há dias esteve aqui na minha casa toda a direcção do Escoural, estivemos a falar e soube que o orçamento deles era superior ao nosso.

Fizeram a época com quanto?
Com 93 mil euros.

Mesmo assim foi possível ganhar o campeonato e a taça. Isso deve-se ao facto de uma grande parte do plantel ser de Redondo?
A vila tem tido sempre grandes jogadores. Este ano conseguimos ir buscá-los todos … o Manuel do Carmo, que jogou no Vitória de Setúbal, muitos outros e um grande treinador, o Paulo Sousa, que também é da terra. Pegámos no Redondense com 22 mil euros de dívida, não tinha crédito em lado nenhum e nem sequer os jogadores acreditavam no clube. Este ano sucede precisamente o contrário, apesar de os orçamentos continuarem a ser baixinhos, não podemos entrar em loucuras.

Por falar nisso, vai disputar a III Divisão Nacional com que orçamento?
Estamos a apontar para os 120 mil euros.

Não dá para grandes sonhos.
Dá para manter na III Divisão. A aposta nos jogadores da terra será para manter … alguns já assinaram. Não vamos entrar em campeonato para fazer má figura mas sempre que houver a opção por um jogador da terra é essa a que iremos tomar. É essa a nossa obrigação, enquanto Redondense Futebol Clube.

Isso porquê?
Olhe, dá gosto ver quando os jogadores “sentem” a camisola que vestem. Tivemos aqui jogadores de fora, correu tudo muito bem, sem eles não teríamos conseguido ganhar o que ganhamos mas a base tem de ser formada pelos jogadores da terra. Quer outro exemplo: integrámos no plantel dois jogadores formados nas escolas do clube que só daqui a dois anos passam a seniores.

Sendo difícil, a manutenção é o objectivo para a próxima temporada?
Se não o alcançar sinto-me derrotado. Estive dois anos no Redondense, depois saí porque o clube não estava estruturado como eu queria … uma coisa é certa, o ano passado fizemos um grande trabalho mas já havia bases lançadas. No caso dos miúdos, então, é um projecto que já vem de há 5 ou 6 anos, com pessoas a trabalharem aqui de borla. Este ano colheram-se os louros.

E no futebol sénior?
É como lhe disse, é importante ter os pés bem assentes no chão. Isso tenho. E por isso posso dizer que temos condições para nos mantermos na III Divisão Nacional. O meu objectivo desportivo é esse mas quero também recuperar o passivo do clube, manter o nosso bom nome. Nada de nos endividarmos. Quando acabou o último jogo da última temporada, não devíamos um cêntimo a jogador nenhum. Muito ou pouco, cumprimos o que estava combinado e se olhar aqui à volta [no Distrital] não é bem assim.

Tendo ganho o campeonato e a taça, o que menos se imaginaria era uma crise directiva. A verdade é que só depois de quatro assembleias-gerais é que o Gilberto Messias anunciou a continuação à frente do Redondense. O que é que passou?
Já o ano passado houve uma situação idêntica e eu, confiando nalgumas pessoas, dei a cara. Aí sim, sinto-me derrotado. Estou a falar do ano passado, de promessas de apoio que não chegaram a ser concretizadas. Falhou de um lado, avançámos para outro e levámos as coisas a bom porto. Tenho a minha vida, o meu trabalho, uma vida profissional complicada e queria deixar o clube. Queria mesmo sair, deixando-o livre de encargos, o que não foi possível.

Ainda não respondeu à pergunta. Tendo obtido sucesso financeiro e desportivo, o que é que estava em causa?
Estava a querer fugir à questão mas uma vez que a coloca por duas vezes vou ter de responder. Olhe, o que se ouvia por aqui depois das vitórias no distrital e na taça e da subida à III Divisão, é que o clube não acabava se nos fossemos embora. Com toda a gente que acompanhava o Redondense fiquei convencido que alguém iria avançar. E não avançaram porquê? Não há meios, não há dinheiro … quem é que aguenta o clube com reduzidos apoios como aqueles que nos temos?

Ninguém se chegou à frente?
Ninguém. Fui à Câmara, Junta de Freguesia e Adega para nos dizerem até onde poderiam ir [quanto a patrocínios] para a III Divisão. A minha ideia era chegar à assembleia-geral com esses apoios, dizer às pessoas que as condições eram aquelas e, nessa circunstância, não faltariam listas para os órgãos sociais. Quando havia muito dinheiro, havia três ou quatro listas.

Esses apoios falharam?
Falharam … a gente sabe que o país está a viver um momento de crise muito complicado. A Adega Cooperativa, por exemplo, cortou todos os patrocínios, ficou tudo a zero. Tenho esperança de o Redondense ser uma excepção, estou convencido que continuarei a contar com a ajuda deles. Mas a Junta de Freguesia apenas se disponibilizou a dar 750 euros por ano. Ou seja, dá 750 euros por cada equipa … mesmo a sénior, sendo a equipa que vai levar o nome da terra a um campeonato nacional.

É uma verba baixa?
Muito baixa. Não sei as dificuldades que as pessoas têm … fiquei muito desiludido. Fomos à Câmara e também nos prometeram uma verba muito “curta”. Tentei convencer as pessoas para avançarem com uma lista, que as coisas podiam ser alteradas, mas ninguém o quis fazer, os jogadores estavam a querer sair …

Até que?
Até que houve uma assembleia-geral em que os sócios disseram que se não houvesse futebol sénior não haveria nada, fechávamos portas. Era triste ver todo este trabalho ir por água abaixo.

E, para si, inaceitável?
Inaceitável … decidi avançar novamente num momento já de alguma raiva. Tinha prometido à minha família que a última temporada seria mesmo a última, para mim. Mas há uma expressão que gosto de usar e que se aplica a esta circunstância: uma parede que eu faça não é qualquer um que a consegue derrubar.

Ou seja, está no início de uma época em que o orçamento não está definido?
Da Câmara Municipal de Redondo já ouvimos.

E não ficou satisfeito, pelo que vejo?
Nada, nem estou minimamente com vontade de ir lá pedir mais um cêntimo sequer. As pessoas têm de sentir o trabalho que está a ser feito no Redondense e saber as obrigações de cada um. Não vou mendigar nada.
A III Divisão Nacional é um sonho?
Para mim é. Tanto que depois de termos chegado até aqui, conseguido garantir a subida, sermos os melhores, não podíamos pura e simplesmente fechar as portas, desistir.

Isso esteve em causa?
Esteve tudo em causa, da participação no nacional da III Divisão a termos aqui um único miúdo que fosse a jogar à bola. Isso eu não poderia admitir e estou cá para ver como é que as coisas se vão desenrolar. Não vai ser fácil mas pode ter a certeza que não nos param o andamento.

Já tem treinador?
Já. O Paulo Sousa vai continuar a ser o treinador do Redondense, dá-nos garantias … ele é que tem de estruturar a equipa.

Vai haver grandes mexidas?
Vamos ter 17 atletas de Redondo num plantel de 23. Acho que é muito bom.

E nos escalões jovens?
Vamos prosseguir o trabalho dos anos anteriores e fazer mais duas equipas. Fomos campeões em benjamins e iniciados. Aliás, em iniciados subimos ao Nacional mas como os jogadores atingem o limite de idade não temos equipa para poder competir.

Do ponto de vista de instalações, qual o ponto de situação?
Estamos muito bem a esse nível. Aliás, deixe-me dizer-lhe que a esse nível a Câmara Municipal tem feito um trabalho excelente, tem-nos ajudado muito. Vamos inaugurar um ginásio que será dos melhores do distrito.

O que é que leva um empresário a meter-se nestas aventuras do futebol distrital?
Nunca joguei futebol, não tenho filhos a jogar futebol, nem sequer sou de cá mas de Borba …

… todas as condições para não se meter nisto!
Todas, mas prezo ter amigos por todo o lado … foi também por pressão deles e dos meus irmãos.

O desporto é uma paixão sua?
Gosto muito mas futebol nunca soube praticar. Já no tiro aos pratos fui campeão pelo distrito e campeão nacional em pombos. No Redondense temos apenas futebol. Até havia condições para outras modalidades, se calhar é isso que irá acontecer no futuro mais próximo.

Por agora é manter.
Foi o ano do impasse, temos de manter o que está. Enquanto aqui estiver não haverá um miúdo que queira jogar futebol e não tenha equipamentos, não faça exames médicos, não tenha as condições de um craque para poder jogar. A porta está sempre aberta a toda a gente. Enquanto jogam futebol não têm tempo para outras coisas. Aqui praticam desporto e aprendem a ser homens.

in Registo