segunda-feira, 31 de maio de 2010

Lusitano de Évora: Até o futebol sénior pode acabar

Seja sinal dos tempos, seja por maior conveniência de ambas as partes, a entrevista com o presidente do Lusitano é feita no seu escritório de advogados que há anos tem porta aberta ali perto do Largo de Camões, paredes meias com a rua de Avis.
É o presidente do clube, Manuel Porta, quem escolhe o local. Por uma questão de tempo agrada certamente mais a ambos que entrevista ali se faça, sem haver necessidade de irmos à Herdade da Silveirinha, actual casa do Lusitano após abandono do Campo Estrela. A verdade é que a Silveirinha fica a quatro quilómetros de Évora. É longe? De forma alguma. Mas por uma questão de tempo, de jeito, quiçá, é melhor aqui na cidade.
Sentado na sua secretária, carregada de códigos e, presumo, processos nos quais trabalha, é o próprio presidente Manuel Porta que hoje me diz ter sido a Silveirinha factor decisivo para a desmotivação dos lusitanistas. Para mais, o clube caíu agora da III Divisão para os distritais. Nos últimos seis anos “voaram” três milhões de euros dos cofres. O clube está atolado em dívidas.


O Lusitano de Évora acaba de ser despromovido aos regionais. Neste momento é o único lugar a que pode aspirar este histórico clube da cidade que já viveu entre os maiores?
A actual direcção herdou uma pesada herança e o Lusitano está neste momento a braços com uma grave crise económica, financeira e estrutural ao ponto de eu poder dizer que o Lusitano hoje não tem sequer património. Há uma expectativa jurídica de criação de um património na Herdade da Silveirinha e construção de um complexo desportivo que tem sofrido as mais variadas vicissitudes. Hoje não termos sequer dinheiro para continuar a sua construção.
Com muito esforço e com muitos sacrifícios vamos tentar construir na Silveirinha um relvado sintético para futebol de onze, outro para futebol de sete. Estamos s estudar orçamentos e esperamos com isso dinamizar a vida do Lusitano.

O futuro passa por aí?
A situação é muito grave e preocupa-nos muito mais aquilo que nos deixaram do que propriamente o que temos ou possamos construir na Silveirinha. O Lusitano é um clube com um historial muito grande, mas como lhe disse, atravessa uma grave crise.

É assim tão grave?
O Lusitano tem hoje dívidas superiores a 240 mil euros o que, não sendo muito dinheiro, é demasiado para um clube desta dimensão. É isso que nos preoucupa. Estamos a analisar a situação com as reduzidas receitas que temos. A autarquia não tem cumprido com o clube o contrato-programa de desenvolvimento do desporto. Não há patrocinadores devido a alguma desconfiança resultante de má gestão de anteriores direcções.
Tudo isto significa tão poucas receitas que nos deixa sérias dúvidas sobre o futuro imediato do clube. Esta é a grande verdade e de tal forma que ainda esta semana, em reunião de direcção, concluímos ser até difícil prognosticar a existência de uma equipa de futebol sénior para a próxima época.

É possível a desistência do Lusitano?
Estamos ainda a analisar a situação. Temos algumas iniciativas em marcha na tentativa de angariar algumas receitas. Provavelmente vamos conseguir, embora com muito esforço. Mas não pomos ainda de parte a ideia de abandonarmos o futebol sénior durante o tempo que for necessário para credibilizar o clube e viabilizá-lo económica e financeiramente.

Estamos a dias de uma Assembleia Geral. A tónica do seu discurso não é também uma forma de fazer soar os alarmes, de chamar os lusitanistas à razão?
Isto não é um alarme. É uma realidade muito séria. Os sócios têm, em simultâneo, o direito e o dever de tomar conhecimento da situação para que se juntem à actual direcção e nos ajudem. Há uma grande necessidade de dar a conhecer a situação por que passa o clube. Este é o clube mais representativo de Évora e seria com grande pena nossa que deixaríamos cair o Lusitano cessando as suas actividades mais relevantes no campo desportivo.

Há centenas de miúdos a jogar futebol no Lusitano. Já pensou num clube exclusivamente dedicado à formação nessa fase a que chama de credibilização?
No cenário actual é de admitir que isso venha a acontecer, porque a formação desportiva no Lusitano é das melhores no sul do país e deixo aqui um agradecimento público a todos os que ali trabalham. Ainda este fim de semana a equipa de juniores se sagrou campeã distrital jogando no ano que vem nos nacionais.

A opção não pode passar pelo aproveitamento dos jovens para a equipa sénior?
É umas das vias se não tivermos possibilidades de construir uma equipa sénior com valor. No entanto, reconheçamos que esses jovens, numa equipa sénior, podem não dar ao Lusitano aquela competitividade capaz de nos catapultar para os lugares cimeiros.

É então preferível acabar em vez de ter uma equipa que não seja digna da camisola, da história do clube…
Para andarmos a peregrinar nesse campeonato distrital a obter resultados que nos envergonhem é preferível deixarmos os séniores e dedicarmos-nos de alma e coração à formação.

Precisamente há quatro anos estava aqui a Selecção a estagiar para o Mundial. O Lusitano fazia o negócio da Silveirinha apontado como uma grande oportunidade de revitalização do clube. O que é que correu mal?
Posso dizer-lhe, porque hoje conheço bem o processo: esse negócio foi altamente ruinoso para o clube. Primeiro porque a saída do Campo Estrela para a Silveirinha criou grande desmotivação para a massa associativa. Depois, os nossos patrocinadores que tinham um local que garantia uma visibilidade muito grande, deixaram de a ter. A Silveirinha não dá isso aos nossos patrocinadores.

Porque está longe?
Sim, porque hoje o campo de futebol está a quatro quilómetros da cidade e antes estava quase no centro. Mas eu ainda me conformaria com a saída para a Silveirinha se os proveitos, o dinheiro recebido nesse negócio imobiliário tivesse sido bem aplicado.

Isso não aconteceu?
Não. As anteriores direcções gastaram tudo quanto havia para gastar e deixaram o clube cheio de dívidas.

Gastaram em quê?
Pois, essa questão deixa-nos embaraçados, porque nós não sabemos onde foi gasto esse dinheiro. Não foram feitos quaisquer investimentos e gastou-se em seis anos, entre esse dinheiro recebido do negócio imobiliário, os patrocínios, as receitas da quotização, uma quantia superior a três milhões de euros. Mais de 600 mil contos em moeda antiga.

Nenhum desse dinheiro serviu para desenvolver o clube? Pagar eventuais dívidas?
Curiosamente, durante esse período foram contituídas mais dívidas ao ponto de hoje o Lusitano dever à Segurança Social, a vários credores particulares, ao Fisco. Um mundo de dívidas que nos deixa sérias preocupações. Inclusivamente a quota de 20 por cento que o Lusitano tem na Evourbe, decorrente do negócio imobiliário, está hipotecada pela Segurança Social.

É possível responsabilizar as pessoas das anteriores direcções?
A questão da responsabilização das pessoas que gastaram esse dinheiro é muito delicada. Eu como advogado não me atreveria a acusar fosse quem fosse de actos de natureza ou de índole criminal. Agora há uma coisa que nós podemos dizer: houve manifesta negligência nas últimas gerências deste clube. Como foi possível receber tanto dinheiro e ficar sem nada para sequer fazer uma obra na Silveirinha sem ficarmos em favor?

É possível contornar esta situação?
É muito difícil. A venda de todo o património, do Campo Estrela e dos anexos, já foi objecto de escritura pública de compra e venda. Não temos possibilidade de inverter os acontecimentos. Por outro lado, temos uma expectativa jurídica de vir a ter um complexo, mas que neste momento também…

Quando fala nessa possibilidade jurídica isso significa que o complexo da Silveirinha possui um ónus, não pertence na totalidade ao Lusitano?
Neste momento o complexo da Silveirinha não é património do Lusitano. Tudo aquilo ainda está em nome da Evourbe que é a entidade com quem o Lusitano negociou todo o seu património. Como lhe dizia de início, não temos património. Nenhum. Essa é a grande verdade. Tudo foi construído sobre o joelho. Aquilo foi uma feira de vaidades quando da vinda da Selecção que levou ao envolvimento da Câmara de Évora, a direcção do Lusitano, a Federação. Hoje tenho a certeza que quando cá cheguei houve deliberada intenção de me esconderem os pormenores desse negócio.

E os sócios do Lusitano? Eles podiam ter impedido o negócio.
Essa é uma situação melindrosa. Os sócios poderiam ter impedido a venda do património, sim. Mas o que é verdade é que a venda foi aprovada em Assembleia Geral por 47 sócios, vinte e muitos eram apaniguados da direcção que lá estava. Eu sem considerar que haja uma incompatibilidader para venda de património, uma vez que os estatutos do clube não prevêm a quantidade de sócios necessários para a alienação de património, acho que a venda nestas condições em nada dignificou a direcção que o fez. Isso marcará por muito anos a vida do Lusitano.

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